3/05/2011

Direitos fundamentais como limites jurídicos ao poder do Estado: conteúdo essencial dos preceitos constitucionais



Elaborado por  Lauren Lautenschlager

"Analisamos os direitos fundamentais como limites jurídicos ao poder estatal e o conteúdo essencial dos preceitos constitucionais, positivado na Constituição portuguesa de 1976.
O constitucionalismo [01] moderno [02] não pode ser estudado sem levar em consideração a evolução dos direitos fundamentais, bem como o papel que estes representam atualmente.
O presente estudo tem como objetivo analisar os direitos fundamentais como limites jurídicos ao poder estatal, vez que estes encontram-se assegurados no Estado de Direito Democrático, bem como abordarmos o conteúdo essencial dos preceitos constitucionais, positivado no art. 18º, nº 3 (denominado como força jurídica) da Constituição da República Portuguesa de 1976.
Dessa forma, no primeiro capítulo, após algumas observações relevantes acerca do assunto, realizaremos umabreve análise das perspectivas teóricas sobre os direitos fundamentais: teoria das dimensões e da indivisibilidade, para após contextualizar tais direitos no Estado de Direito Democrático. Abordaremos a dupla dimensão dos direitos fundamentais, quais sejam: objetiva e subjetiva, bem como para fins didáticos, e como forma de delimitar o objeto deste estudo, optamos pela divisão constante na Constituição Portuguesa de 1976 acerca dos direitos, liberdades e garantias e direitos econômicos, sociais e culturais.
Já, no segundo capítulo, os direitos fundamentais serão tratados como limites ao poder do Estado, diferenciando-se quando estes servem como limites à atuação do Estado e quando a atuação Estatal serve como limitadora dos direitos exercendo através das restrições expressamente legitimadas ou não, limites impostos, leis restritivas e limites imanentes.
No capítulo terceiro, tratamos acerca do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais, observando as teorias sobre o tema, as doutrinas atuais, bem como o posicionamento dos Tribunais Constitucionais de Portugal, do Brasil, da Espanha e da Alemanha, para avançarmos na essencialidade do conteúdo.
As notas de rodapé serão utilizadas tanto para observações relevantes, como indicadores de fontes bibliográficas. Necessário mencionarmos que a Constituição da República Portuguesa de 1976 pode aparecer no decorrer do texto como CRP e direitos fundamentais, como DF.

1. ASPECTOS GERAIS SOBRE O TEMA

1.1 Breve análise das perspectivas teóricas sobre os direitos fundamentais: teoria das dimensões e da indivisibilidade
Após imensas transformações sociais e econômicas, o cidadão moderno conquistou direitos que são históricos, pois gradualmente emergem das lutas travadas por sua própria emancipação [03], além das transformações nas condições de vida que essas lutas produzem.
A maneira encontrada para a legitimação do Estado, a fim de possibilitar o fortalecimento da coesão social, foram as normas, vez que estas são o reflexo do poder (componente extra da sociedade) e possuem, como finalidade, abolir suposta anarquia. Além, é claro, de prevenir na esfera individual as interferências ilegítimas do Poder Público, provenham elas do Executivo, do Legislativo ou, mesmo, do Judiciário. Somente em função da violação das regras é que o direito surge e se transforma [04].
Os direitos humanos surgiram para se valerem contra o Estado. Recordamos que há diferentes formas de emprego da expressão direitos fundamentais: "direitos humanos", "direitos do homem [05]", "direitos subjetivos públicos", "liberdades públicas", "direitos individuais", "liberdades fundamentais" e "direitos humanos fundamentais", apenas para referir algumas das mais importantes.
Há quem diga que a expressão mais ajustada é "direitos fundamentais do homem" [06], mas como não há dúvidas que os direitos fundamentais são também direitos humanos, no sentido de que seu titular sempre será o ser humano, tal expressão torna-se redundante, motivo pelo qual usaremos "direitos fundamentais" [07].
Podemos dizer que o termo "direitos fundamentais" numa conotação mais restrita, se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados constitucionalmente, ao passo que a expressão "direitos humanos" numa conotação mais ampla, guardaria relação com os documentos de direitos internacional [08].
Observamos que os direitos fundamentais não são estáticos, pois dependem da época e, até mesmo, da situação em que se encontram. Eles variam tanto no espaço como no tempo, surgindo daí a origem da expressãoproteção dinâmica dos direitos fundamentais, utilizada no Tribunal Constitucional Federal Alemão, o que corresponde a uma tutela flexível, móvel e aberta. Até porque o que parece fundamental numa época histórica e numa determinada civilização não é fundamental em outras épocas e em outras culturas [09].
Os direitos fundamentais [10], pressupostos de uma vida humana livre e digna, constituem um sistema ou uma ordem. A ordem constitucional dos direitos fundamentais é uma ordem pluralista e aberta e por isso não hierárquica. Já a unidade dos direitos fundamentais corresponde a uma ordem cultural positiva e histórica [11].
Os direitos e garantias fundamentais encontram-se elencados parte I, da Constituição da República Portuguesa, estando divididos como gênero em direitos e deveres fundamentais. E como espécie em direitos, liberdade e garantias e direitos e deveres económicos, sociais e culturais. Eles integram a essência do modelo estatal constitucionalmente positivado [12], constituindo, neste sentido, não apenas parte da Constituição formal, mas, também, elemento nuclear da Constituição material.
Tal distinção entre cada um das categorias que compõem a triologia dos direitos, liberdades e garantias nos parece irrelevante, pois qualquer que seja a categoria a que pertençam, todos os direitos fundamentais que a integram gozam do mesmo regime jurídico [13]. O aspecto decisivo refere-se ao âmbito de aplicação do regime dos direitos, liberdades e garantias, pois determinado ele, fica igualmente definido o outro, por exclusão. Até porque, o regime geral serve para exaltar os direitos, liberdades e garantias, mas não para rebaixar ou degradar os outros.
Uma tríplice principiológica rege os direitos fundamentais: princípio da cláusula aberta, princípio da igualdade e princípio da protecção da confiança [14], embora tenha muita relevância o princípio da prevalência dos direitos fundamentais sobre os deveres fundamentais [15]. De outra banda, necessário frisarmos que a autonomia de tais direitos é ao mesmo tempo irrecusável e limitada [16]. E da mesma forma, tais direitos possuem como objeto sempre três valores [17] constitucionais, quais sejam: liberdade, democracia política e democracia econômica, não são apenas um limite do Estado, sendo também uma tarefa deste.
Partimos do pressuposto que os direitos fundamentais são limitáveis e por isso podem ser restringidos [18]. Quando se diz que são limitáveis, quer dizer tanto que eles podem ser limitados pelo Estado, e nesse caso, principalmente pelo poder Legislativo, quanto que os mesmos podem servir como freio à atuação estatal. A restrição de um trunfo dependerá única e exclusivamente da sua força [19].
Não há dúvida que a proteção jurídica dos direitos e liberdades fundamentais é uma proteção constitucional. A Constituição da República Portuguesa de 1976 ordena uma obrigação de tutela ou dever de proteção a cargo do Estado configurando os direitos fundamentais como fins da atividade público-estadual na qual se compreendem as condições de exercício desses direitos e liberdades jusfundamentais [20].
Esta Carta, segundo alguns doutrinadores [21], trata os direitos como um todo. Assim, existem os direitos a alguma coisa, ou seja de pretensões individuais (ações ou omissões); direitos de liberdades (fazer ou não fazer) e direitos de competências (onde a titularidade altera a situação).
Para que possamos contextualizar os direitos fundamentais no atual modelo Estatal, necessário precedermos de uma breve análise das perspectivas teóricas sobre os direitos fundamentais: teoria das dimensões e da indivisibilidade.
De forma terminológica, falaremos em "dimensões de direitos" [22], tendo em vista ser um processo cumulativo, ao passo que "gerações de direitos" pode ensejar a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra.
Inescusável mencionarmos que não é objeto do presente trabalho, a relevância ou não da teoria das dimensões. A mesma apenas foi abordada, pois utiliza o momento histórico como fator exclusivo de classificação dos direitos fundamentais.
Os direitos de Primeira dimensão, referem-se à liberdade do indivíduo em relação ao Estado. Tais direitos são clássicos, negativos pois, exigem uma abstenção de parte do Estado. Há alguns documentos históricos marcantes para a configuração e emergência dos direitos desta geração, os quais referimos a fim de situar o leitor, a Carta Magna de 1215, assinada pelo rei "João Sem Terra", a Paz de Westfália (1648), o Habbeas Corpus Act (1679), a Bill of Rights e as declarações burguesas de direitos, seja a Americana em 1776, seja a Francesa [23] em 1789.
Os direitos de Segunda dimensão possuem como foco a igualdade no sentido material. São os direitos econômicos, sociais e culturais, que trazem o compromisso do Estado em promover o bem-estar social. O momento histórico que os inspira e impulsiona é a Revolução Industrial Européia, a partir do século XIX. Nesse sentido, em decorrência de péssimas situações e condições de trabalho, eclodiu o movimento operário o qual sintetizou reivindicações de direitos trabalhistas e de assistência social. Alguns documentos históricos desta geração foram a Constituição de Weimar de 1919 e o Tratado de Versalhes 1919 (OIT) [24].
Os direitos de Terceira Dimensão são marcados por mudanças na comunidade internacional, como por exemplo a sociedade de massa e o crescente desenvolvimento tecnológico-científico. Denominam-se os direitos de solidariedade internacional, ou seja, fraternidade, nos quais os beneficiários são, não só os indivíduos, mas também os povos. Estes últimos foram reconhecidos após a Segunda Guerra Mundial. Há quem acrescente a este rol de direitos, os direitos à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente e qualidade de vida, bem como o direito à conservação e utilização do patrimônio histórico e cultural e o direito de comunicação pertencem a esta terceira dimensão [25].
O surgimento de uma Quarta dimensão de direitos não é abordado por muito autores mas, os que assim fazem não são unânimes nos direitos assegurados por esta. Assim, a quarta dimensão pode referir-se tanto aos avanços da engenharia genética, uma vez que estes colocam em risco a própria existência humana, através da manipulação do patrimônio genético [26], como também, devido esta dimensão ser o resultado da globalização dos direitos fundamentais, no sentido de uma universalização no plano institucional, relacionar-se aos direitos à democracia (direta), e à informação, assim como direito ao pluralismo [27].
Por fim, nos cumpre informar que já há indícios no mundo jurídico do surgimento da Quinta dimensão de direitos fundamentais, os quais referem-se ao direitos relacionados ao meio virtual [28]. Embora, há quem critique [29] esta multiplicação da teoria dimensional no sentido de que todo e qualquer surgimento de nova geração será proliferação das demais, especialmente da Terceira Geração, posição da qual discordamos uma vez que é fato que surjam novam anseios da sociedade cabendo ao Direito sua regulação, positivação e garantia.
O ser humano é o centro de tudo. É por ele e para ele que a sociedade evolui. Independente se os direitos fundamentais são inatos, ou se foram conquistados através de luta, todos estes direitos se unem e se complementam, uma vez que todos os acima elencados são fundamentais. Isso ocorre pelo simples fato de que o próprio surgimento de tais direitos demonstrou que não são suficientes apenas os direitos de primeira dimensão. Foram necessários os direitos da segunda dimensão, os direitos da terceira dimensão e assim será sucessivamente. Até porque de nada adiante haver os direitos da segunda geração sem os de primeira, ou seja, não há como garantir o direito à igualdade sem garantir o direito à vida [30].
Não sendo o foco nem da teoria da indivisibilidade, nem mesmo do presente relatório estabelecer quais e muito menos em quantas classificações os direitos humanos podem ser divididos. Isso ocorre pelo simples fato de que tais direitos são indivisíveis [31].
Outra característica determinante para a escolha da teoria dimensional é que esta não aponta somente para o caráter cumulativo e para a natureza complementar de todos os direitos fundamentais, mas afirma, sua unidade e indivisibilidade. A afirmação da indivisibilidade dos direitos humanos está ligada, ao fim da Segunda Guerra Mundial, período que marcou o surgimento da Organização das Nações Unidas (ONU) e dos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos, no marco da elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos [32]".
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