2/22/2011

"Novo CPP e o devido processo legal, constitucional e internacional (3/4)

Fonte: foto baixada do site - ooculto.wordpress.comLUIZ FLÁVIO GOMES*
Primeiro significado: devido processo “procedimental”: em seu aspecto processualou procedimental (fair trial ou faires verfahrem) o princípio do devido processo diz respeito especificamente às funções de dizer o direito (jurisdicionais). Para se privar alguém de sua liberdade ou bens impõe-se a estrita observância do (“justo”) conjunto de regras que regem essa atividade, isto é, do “devido processo”. Não importa qual seja a autoridade competente (judicial ou administrativa), todas devem seguir o devido processo (Corte Interamericana de Direitos Humanos, Sentença de 02.02.2001, Panamá).
Conceito de processo e de procedimento: processo, visto externamente, é o conjunto de atos que se sucedem visando à solução de um litígio (de um conflito). Aordem desses atos, ou seja, a seqüência que seguem chama-se procedimento. Internamente o processo é uma relação jurídica triangular, da qual participam necessariamente: autor (Ministério Público ou ofendido), acusado (com dezoito anos ou mais) e juiz (devidamente investido em suas funções – princípio da investidura).
Segundo significado: “substantive process of law”: o significado essencial dosubstantive process of law (aspecto material) previsto no art. 5.º, LIV, da CF consiste em que todos os atos públicos devem ser regidos pela razoabilidade ou proporcionalidade, incluindo-se nessa exigência primordialmente a lei, que não pode limitar ou privar o indivíduo dos seus direitos fundamentais sem que haja motivo justo, sem que exista uma razão substancial.

O princípio do devido processo, sob este prisma substancial, como se vê, constitui valioso instrumento de controle da atividade pública, principalmente da legislativa. A lei deve ser elaborada não só consoante o devido procedimento legislativo (aspecto formal), senão, sobretudo, conforme o valor “justiça” (aspecto substancial), que vem retratado na Constituição assim como no Direito Internacional dos Direitos Humanos. Uma lei que não atenta para a razoabilidade (reasonableness) é inconstitucional, por ferir a cláusula (substantiva) do due process. E cabe ao Poder Judiciário, desde que foi concebido ojudicial review of legislation, a tarefa de aferir a “justiça” (razoabilidade) da lei, declarando-a inconstitucional quando for o caso.
Foi fundado em todas essas premissas que o STF, analisando várias ADIns (dentre elas: ADIn 3112) ajuizadas contra o Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003), reconheceu três inconstitucionalidades (anomalias): (a) do parágrafo único do art. 14, que proibia a concessão de fiança no caso de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, (b) do parágrafo único do art. 15, que fazia idêntica proibição em relação ao disparo de arma de fogo e (c) do art. 21, que proibia liberdade provisória nos crimes de “posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito”, “comércio ilegal de arma de fogo” e “tráfico internacional de arma de fogo”.
As duas primeiras acham-se fundamentadas no princípio da razoabilidade (não é razoável a proibição de fiança em crime de perigo com pena mínima não superior a dois anos); a terceira nos princípios da presunção de inocência, devido processo criminal, princípio da liberdade (a Constituição brasileira não autoriza a prisão ex lege, automática ou sem motivação) assim como no da obrigatoriedade de fundamentação de todas as prisões (CF, art. 5.º, LXI), que se coliga com os princípios da ampla defesa e do contraditório.
Conclusão: estudar e conhecer os limites do exercício do poder punitivo, sejam os formais ou os materiais, expressos em grande parte por meio de princípios, é a tarefa, na atualidade, mais imperiosa e inadiável do juiz e do jurista.
O devido processo é um direito e uma garantia: do ponto de vista privado ou individual (subjetivo), pode-se afirmar que o princípio do devido processo, agora entendido como procedimento dotado de regras formais elaboradas com razoabilidade, representa para toda pessoa um direito (direito público subjetivo); já do ponto de vista público (objetivo) impõe-se sublinhar que esse mesmo “justo processo” (substancial e procedimental) constitui uma garantia de relevância capital para a proteção dos direitos fundamentais, para a tutela das “partes” no processo, bem como para a própria legitimação do exercício da jurisdição no Estado constitucional e democrático de Direito.
Impõe-se sublinhar, destarte, a natureza instrumental dessa (mega) garantia do processo devido que, como todas as garantias, “não é um fim em si mesma, mas instrumento para a tutela de um direito principal. Está a serviço dos direitos humanos fundamentais, porque serve de meio para obtenção das vantagens e benefícios decorrentes dos direitos que visa a assegurar”.
Devido processo “legal” ou legal, constitucional e internacional?: costuma-se adjetivar o princípio do devido processo com a expressão “legal”. Hoje, no entanto, não é mais só a “lei” que constitui a sua fonte normativa. Do princípio do devido processo legal também fazem parte a Constituição assim como as normas do Direito Internacional dos Direitos Humanos.
Pareceria mais apropriado, portanto, doravante, falar em devido processo “multinormativo” (legal, constitucional e internacional), não só em devido processo “legal” (salvo se a essa última palavra vier a ser dada uma interpretação bastante ampla, para compreender a lei em sentido estrito, a Constituição assim como o Direito Internacional dos Direitos Humanos).
O devido processo, de outro lado, pode (e deve) ser adjetivado, isso sim, conforme a natureza do conflito de interesses a ser solucionado bem como a espécie do conjunto normativo respectivo. Daí falar-se em devido processo “civil”, devido processo “constitucional”, “trabalhista”, “tributário ou fiscal”, “administrativo” (ou disciplinar), “criminal” etc.
A relevância de se distinguir cada devido processo consiste no seguinte: é que cada um tem suas peculiaridades (suas regras, seus princípios). Por exemplo: não se pode confundir o devido processo criminal com o devido processo disciplinar. As garantias inerentes a cada um são bem diferentes, a começar pela defesa técnica.
Nos termos da súmula vinculante n. 5 do STF “a falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição” (STJ, MS 12.895-DF, rel. Min. Og Fernandes, j. 11.11.09).

*LFG – Jurista e cientista criminal. Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri e Mestre em Direito penal pela USP. Presidente da Rede LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Acompanhe meu Blog. Siga-me no Twitter. Encontre-me no Facebook."
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